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Paulo Tuna: Um Artesão que Transforma Aço em Arte

Desde a infância em Trás-os-Montes, onde uma simples navalhinha oferecida pelo pai despertou a paixão pelas ferramentas, até às Caldas da Rainha, onde se estabeleceu como um dos principais cuteleiros do país, Paulo Tuna tem traçado um percurso singular na arte da cutelaria. Sem um mentor formal, mas inspirado por muitas influências ao longo do caminho, combina tradição, funcionalidade e estética, criando peças que são, simultaneamente, ferramentas e obras de arte. Nesta entrevista, Tuna partilha as suas reflexões sobre o ofício, os desafios enfrentados, o papel das artes nas comunidades e a visão que tem para o futuro da cutelaria.

Em que momento o jovem Paulo Tuna percebeu que a cutelaria estava no seu destino? Houve algum mentor ou referência que o inspirou nesse percurso?

Uma coisa é a paixão, é gostar do objeto, da cutelaria, outra coisa é perceber até que ponto podemos fazer desse “gosto” um modo de vida; são dois momentos diferentes. A paixão pelo objeto, pela navalha, pelas facas, pelos aços e ferramentas vem desde muito novo, desde que era menino da aldeia e o meu pai me deu uma navalhinha para fazer as minhas próprias “criações” e brincadeiras. Acho que todos os miúdos que desde novos mexem em ferramentas acabam por ir a uma loja de ferragens ou ver uma montra de caça e ficar deslumbrados. Em jovem comecei a investigar um pouco mais como “hobby” a história da cutelaria, diferentes marcas e materiais, enquanto fazia o curso de escultura e artes plásticas.

Nunca tive mentor, muitas inspirações, mas nenhum mentor, ninguém que me ensinasse o ofício propriamente, um mestre onde eu aprendesse esta arte. Existiram várias pessoas que se foram atravessando no meu caminho que me deram luzes para construir o meu próprio trilho.

Que inspiração Caldas lhe dá para, por exemplo, nunca ter ponderado montar uma oficina em Vila Real (Trás-os-Montes)?

Todos os dias penso em voltar para Trás-os-Montes, o problema é que está a 300 e muitos kms de distância e neste momento a minha vida está estabelecida aqui. Estou muito enraizado nas Caldas da Rainha, tenho uma ligação muito forte com a sociedade caldense. Faço parte da CENTRA, do Centro de Artes, organizo diversos eventos, fiz vida aqui e foi aqui onde me fixei desde 1995, quando vim para cá tirar o curso de escultura e artes plásticas. Estive 14 anos a ensinar na Escola de Artes e também me fixei aqui, sobretudo porque percebi que grande parte da indústria de Cutelaria é aqui no Centro do país, foi mais fácil perceber as várias vertentes do negócio nesta zona.

O que diria aos novos artistas/artesãos que estão agora a dar os primeiros passos? Quais os maiores desafios que enfrentou e como recomendaria que eles os superassem?

A minha recomendação é que sejam pacientes. Quando digo serem pacientes é de que atualmente, desde que haja dinheiro, é possível terem todos os equipamentos para fazerem uma faca razoável, existem tutoriais na Internet que nos dão toda a informação de que necessitamos. Mas o que digo é serem pacientes, não irem demasiado depressa, para não errarem, ou pelo menos para que entendam que mesmo com todo o equipamento o resultado não será o melhor. Comecem com pequenas experiências, perceberem o que é o aço, estudarem os materiais, de onde vêm e como se trabalham e irem investindo à medida que vão vendendo e ganhando algum dinheiro, porque é um trabalho árduo e muitas vezes existe o deslumbramento pela paixão de criar uma faca sem a noção do que é fazer isto como um modo de vida. Daí o meu maior conselho ser muita paciência e trabalho.

Qual o papel das artes e dos ofícios na dinamização social e cultural das cidades?

Se uma cidade voltar as costas para as artes, ofícios e criatividade em geral, está a perder um potencial humano tremendo. Só para dar um exemplo, o armazém onde trabalho estava abandonado, eu juntei-me com vários colegas e vim para cá, fizemos uma espécie de “coworking” em que cada um tem o seu espaço oficinal. A rua onde nos encontramos, sendo numa zona pouco central das Caldas, nunca foi muito movimentada; atualmente, recebe cá pessoas de todo o país e do estrangeiro, esse dinamismo que este negócio traz a esta rua, traz também a mais negócios que aqui se encontram na zona e em toda a cidade. Se o nome de artistas locais começarem a ser reconhecidos nacional e internacionalmente, isso também dará prestígio à cidade, dinamizando a mesma social e culturalmente. Muitas vezes as Câmaras Municipais não necessitam de apoiar com meios financeiros, só precisam de nos dar condições para trabalhar e não impedir que as coisas se façam, muitas vezes as pessoas só querem trabalhar e nisso não me posso queixar visto que as Caldas são o local perfeito para isso. 

Como avalia as oportunidades de visibilidade para os cuteleiros em Portugal?

Existem vários apoios a PME´s, entidades culturais, etc; mas julgo que antes de pensar em apoios a primeira coisa que temos de fazer é mostrar o que valemos, mostrar, por livre iniciativa, o nosso trabalho, divulga-lo e meter as mãos na massa, a partir daí, aos poucos, vão-se retirando os dividendos desse mesmo trabalho até existir legitimidade para pedir esses apoios, pois aí as entidades que apoiarão já estarão a apoiar a entidade individual e o meio onde estão inseridos, sendo uma mais-valia para ambas as partes envolvidas. O primeiro passo para essa tal oportunidade de visibilidade é a livre iniciativa de fazer, não pensar nos impedimentos, mas pensar como chegar a tal objetivo, a partir daí se correr bem, ótimo, se não correr bem já sabem que é algo que talvez não seja destinado a acontecer.

O que uma faca tem de ter para ser uma faca perfeita? Quais os elementos que valoriza mais no design e na funcionalidade?

Bom aço, mas se o aço não for bem trabalhado, podemos ter dos aços mais caros do mundo, mas se não for tratado tecnicamente da melhor forma, se a faca não for lapidada, se não existir respeito por todas as matérias constituintes da faca, a mesma não terá qualidade. A finalidade será um objeto altamente funcional, que dure vários anos e tenha uma variante estética apurada. Para mim, por muito simples que possa ser o objeto ele tem de ser bonito, porque quando é bonito ao olhar é também bonito ao toque. Para mim o melhor vendedor é aquele que sabe falar do produto de A a Z, mostramos ao cliente a paixão que temos por aquele objeto. Eu costumo dizer que não estou a dar ao cliente uma faca, mas sim um pedaço da minha vida, porque o tempo é vida e eu passo dias a elaborar o objeto, tempo que não estou com a minha família, a passear etc. Estou a dar vida, foram materiais que se transformaram através dos elementos num objeto utilitário que irá servir as pessoas nos almoços, petiscos, caça, entre outros.

A tradição e a inovação caminham lado a lado no seu trabalho?

Eu não penso muito no design, no desenho e na estética como o ponto fulcral no objeto, não faço da inovação e modernismo uma questão essencial, porque para mim já é algo inerente ao próprio objeto; se uma faca de chefe não tiver as medidas proporcionais e for equilibrada, também não vai ser esteticamente agradável. Eu quando termino as facas meto o dedo no meio da faca e ela está equilibrada, isso trará beleza e sensação de equilíbrio. Não faço da inovação uma questão como se tivesse de estar sempre a criar um modelo, eu vou criando. A minha maior inspiração são as facas tradicionais, de trabalho, que foram feitas há mais de 100, 150 anos, facas anónimas utilitárias que eram encontradas na cozinha, debaixo do fogão, na cesta da merenda, etc. Porque, por norma, as facas que em melhor estado chegam aos dias de hoje são as de caça e da nobreza, enquanto que as outras acabam por ser esquecidas. E eu gosto de criar ferramentas para as pessoas, normalmente dizem que eu faço objetos de arte, mas eu como já fiz objetos de arte não quero que as minhas facas fiquem conotadas demasiadamente com isso, mas por vezes não consigo esquecer a minha formação em escultura e artes plásticas.

Já criou uma peça sob medida para alguém especial? Se sim, como foi a experiência de projetar algo tão personalizado?

Uma ponta de lança gótica que me encomendaram, com uma geometria côncava, em aço de damasco, foi um desafio grande. Nunca tinha feito uma lança e uma peça de damasco tão grande, exigiu muito de mim. Foi um desafio enorme.

Como imagina a cutelaria no futuro?

Imagina-se bem, com saúde, há novos aprendizes, novos autores, mesmo que eu não possa passar o conhecimento exatamente como penso e faço a outras pessoas, pela quantidade de workshops que eu e colegas meus dão, o futuro está bem entregue. Portugal está um pouco atrasado no “craft” no que é a cutelaria de autor a alto nível comparativamente a França e Espanha, por exemplo, mas enquanto as pessoas precisarem de facas rapidamente os apanharemos e continuaremos o crescimento desta arte.

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