Na correria do quotidiano, poucos negócios conseguem manter a essência da tradição, o carinho pela comunidade e a dedicação às suas raízes. No entanto, há uma figura em Leiria que desafia o tempo e mantém viva uma tradição que aquece os corações e estômagos de muitas gerações: a “Senhora das Castanhas”. Conhecida por todos pelo seu apelido carinhoso, Fernanda, ou melhor, Maria de Jesus, carrega consigo uma história que mistura fé, perseverança e, claro, castanhas assadas.
A vida de Maria de Jesus é uma crónica de trabalho árduo e amor pela sua comunidade. Desde 1993, quando o seu marido começou o negócio das castanhas, Fernanda abraçou essa jornada com dedicação, que mantém mesmo após a morte dele. “Ele era 33 anos mais velho, mas isso nunca nos separou. Eu continuei o que ele começou, a vender castanhas nas feiras e, mais tarde, nas ruas de Leiria,” relembra com saudade, mas sem arrependimentos.
Um encontro inesperado no hospital
Uma das histórias mais curiosas que envolvem Maria de Jesus ocorreu há cerca de 10 anos, quando ela sofreu um grave acidente. Internada no hospital, algo inusitado aconteceu: a polícia chegou em alerta, a invadir o hospital à procura da “Senhora das Castanhas”. “Entraram, ouvia-se o barulho das botas e perguntavam por mim. Queriam saber se eu estava bem. Foi um alvoroço!”, conta, com um sorriso nostálgico no rosto. Esse episódio ficou marcado não só na memória dela mas também na dos que estavam presentes naquele dia. Foi um momento de reconhecimento e carinho da comunidade e até da polícia local.
Tradições que se mantêm
A tradição das castanhas em Leiria não se limita apenas ao período do São Martinho. Ao longo de todo o ano, especialmente durante as festividades de fim de ano, a banca da “Senhora das Castanhas” transforma-se num ponto de encontro para locais e turistas. “A abertura das luzes de Natal, por exemplo, é um momento especial. As pessoas passam por aqui, compram castanhas e partilham histórias,” diz. A conexão dela com os imigrantes também é forte, especialmente com os brasileiros, que muitas vezes fazem vídeos ao vivo para partilhar esses momentos especiais com amigos e familiares nos países de origem.
Mas, como tudo na vida, as tradições também enfrentam desafios. Hoje, Maria de Jesus nota uma mudança nas pessoas. “As pessoas não são como antes. Falta respeito. E a paciência para lidar com os clientes? Alguns reclamam do preço, dizem que é caro, mas eu continuo aqui, firme, a fazer tudo com carinho,” desabafa. Ainda assim, as castanhas da Maria continuam a ser especiais, feitas com amor e dedicação, um segredo que carrega há décadas.
A Memória continua viva
Com o passar dos anos, Maria de Jesus tem-se tornado um símbolo vivo das tradições de Leiria. No entanto, os descendentes seguiram outros caminhos. “Eles têm as suas próprias vidas, ninguém quis continuar o negócio,” comenta com naturalidade, sem mágoas. Para garantir que a sua história e a das castanhas de Leiria não se percam no tempo, há planos de colocar a famosa carrinha de Maria de Jesus no Museu de Leiria, um reconhecimento pelo seu legado.
Mesmo com 55 anos de atividade, não há sinais de parar. “Quando fiz 50, publiquei muitas fotos e recebi uma medalha da Câmara. Foi marcante. Não dou muita importância aos números, mas de vez em quando é bom lembrar,” diz. Entre fotos e memórias, Maria de Jesus vai registrando momentos que marcam a sua longa trajetória de trabalho e dedicação à cidade que tanto ama.
O legado
Embora a banca de castanhas continue a ser um símbolo de tradição e resiliência, Maria de Jesus sabe que um dia terá de parar. “Quando eu parar de vez, a carrinha vai para o museu. Assim, a história fica registrada,” afirma. E, embora não tenha quem continue o negócio familiar, o legado da “Senhora das Castanhas” já está gravado na memória coletiva de Leiria.
A história de Maria de Jesus é um exemplo de que, mesmo em tempos de mudança, há tradições que perduram e marcam gerações. Entre castanhas, festas e sorrisos, Maria de Jesus continua a aquecer corações com suas histórias, mostrando que a verdadeira riqueza está nas memórias e nas conexões que criamos ao longo da vida.