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A nossa gente: Entre Bancas e Lembranças: A Vida na Praça da Fruta das Caldas da Rainha

O Mercado da Praça da Fruta, no coração de Caldas da Rainha, é muito mais do que um ponto de comércio local. Desde o século XIX, esta praça encantadora é palco de um dos mercados a céu aberto mais icónicos de Portugal, um espaço onde tradição, sabores e cores se encontram diariamente. Cercada pela arquitetura histórica e o movimento da cidade, a praça oferece uma experiência autêntica aos seus visitantes, que ali encontram frutas frescas, legumes, flores, artesanato e produtos típicos da região, sempre com a presença calorosa dos vendedores locais. 

Mais do que um simples mercado, a Praça da Fruta é um símbolo da identidade caldense, um ponto de encontro e convivência que mantém viva a essência da cultura local e a memória das gerações que ali passaram. Foi aqui que encontramos Lia Freitas, uma das mais antigas comerciantes da Praça da Fruta.

Chegada ao Mercado e Primeiros Anos de Trabalho

Desde cedo, a paixão pelo trabalho no mercado foi moldada pelas necessidades e desafios da vida. “Vim para aqui em 1981, grávida da minha filha”. Começou por vender a grosso para todos os que ali tinham a sua banca. “Conhecíamos a praça toda”, diz apontando para todos as bancas, sabendo de cor o nome dos que já cá não estão, “a mãe do Toino”, “a Nossa Glória”, “a Júlia”, a “Gertrudes”, a “Filomena” e outros tantos que vai partilhando connosco.

“Eu despejava, à terça-feira, um camião com 12 paletes, duas carrinhas com 8 paletes cada uma e era acartado tudo a braços aqui para a praça. Tudo que vendia por aqui abaixo era tudo meu. Eram todos meus compradores. Tudo.”, sublinha.

O Tempo trouxe Mudanças

Quando os restaurantes deixaram de se abastecer no mercado, a praça passou a ser apenas para quem se vai abastecer para a semana. 

Entre as castanhas e a batata-doce assada que vai vendendo, e as moedas que por vezes caem na caixa das romãs, lá vai dizendo para os clientes: “olhe que ele não nasce”. 

Quando lhe perguntamos se os clientes hoje são melhores ou piores que no passado, lá nos vai dizendo: “São todos bons. Se eu o enganar, ele já não volta e eu preciso dele”. “Todos pagam, mas não compram como compravam aqui há uns anos atrás. Não há poder de compra. E então desde que mudou do escudo para o euro é pior. Piorou.” Com a destreza de quem faz contas de cabeça todos os dias, diz-nos: “um café custa 80 cêntimos, 160 escudos. É dinheiro, não é? E o dinheiro não nasce”.

Desafios e Histórias de Vida

A vida no mercado nem sempre é fácil e, ao longo dos anos, a dona Lia enfrentou tanto momentos de alegria quanto de tristeza. As histórias de perdas, de clientes queridos e até de familiares que se foram, são memórias que deixaram marcas. 

Da multa de estacionamento passada pelo GNR, ao cliente que queria provar tudo o que estava na banca sem nunca pagar e “levou para casa o que contar”, ao colega que chamou a polícia para fazer queixa, lá nos vai dizendo que com a experiência que a vida lhe deu “às vezes mais vale fazermos de ouvidos moucos para não andarmos em guerra com ninguém”.

Chega mais uma cliente que leva laranjas. Também queria pêras, mas a dona Lia não tinha. Ainda assim, a cliente não sai dali sem um conselho, pois a nossa entrevistada aponta logo para a colega em frente, garantido que aquelas são boas. São laços entre os veteranos da praça, que se tornaram não só colegas de trabalho, mas também amigos e conselheiros. Essas relações ajudaram a construir uma rede de apoio mútuo, onde experiências são trocadas e as dificuldades e vitórias são compartilhadas.

Reflexões sobre o Futuro da Praça da Fruta

Ao olhar para o futuro, não é consensual a possibilidade do mercado ir para um espaço fechado, como aconteceu durante o COVID. “(…) Na Expoeste, estávamos lá bem. Depois falou-se dessa possibilidade, mas nada avançou porque ninguém é unido”, recorda.

O trabalho no mercado exige uma resiliência especial para enfrentar condições climáticas adversas, como o frio e a chuva. “Estamos a semana à espera do sábado, que é o melhor dia, e se chove já não aparece ninguém”.

“Podíamos ter mais variedades de coisas. Eu, por mim digo, se o mercado fosse fechado, como é o do Bombarral, eu punha uma vitrina frigorífica para ter amoras, framboesa, mirtilos… coisinhas que têm que estar no frio. Assim não podemos ter nada”, lamenta.

A história da dona Lia é a prova viva que os comerciantes de mercados têm um papel fundamental na cultura e economia local. Este mercado é, não só um ponto de venda, mas também um espaço de encontro comunitário, onde as pessoas compartilham histórias, novidades e reforçam laços sociais.

Este entrevista é um reflexo autêntico da vida comunitária, das lutas de uma vendedora e da sua adaptação às mudanças económicas e sociais ao longo dos anos.

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