Da tinta nas paredes ao impacto social, Ricardo Romero construiu um percurso singular no mundo da arte urbana. Com raízes no graffiti e uma evolução que atravessa a street art, as instalações e a escultura, o artista reflete sobre o poder da sua arte, os desafios da criação em espaços públicos e a importância de compreender o ambiente que se pretende transformar. Nesta entrevista, mergulhamos na sua trajetória, inspirações e visão sobre o futuro da arte urbana.
1. O que o inspirou a entrar no mundo da street art e do graffiti?
Para um miúdo de 13 anos como eu tinha na altura (1994), o que mais me motivou foi o poder fazer parte de uma cultura “hip-hop” do qual o graffiti é uma das quatro vertentes. O street art é algo que surge mais tarde e do qual esse tal graffiti é uma das suas disciplinas artísticas.
2. Como descreveria a sua evolução artística desde os primeiros trabalhos até hoje?
No início, o meu trabalho era muito focado no meu “Eu” onde a questão do nome e o ego muitas vezes falavam mais alto. Numa fase posterior, percebi o poder de comunicação que esta disciplina tem e criei algo com um cariz muito mais interventivo e social (Projeto Matilha), enquanto o street art aparece. Ou seja, o meu trabalho cresceu de mãos dadas com este movimento e atualmente, tal como a arte urbana, tem poucos limites tendo deixado de ser pintura mural, mas também instalações, esculturas e outro tipo de intervenções.
3. Há alguma peça ou projeto que considere um marco na sua trajetória? Porquê?
Para mim, o projeto que estou a pensar hoje é e será sempre o mais importante para o meu trabalho. Permite-me valorizar tudo o que fiz até hoje e dá-me a motivação para o que vou fazer amanhã.
4. Como nasce uma nova obra sua? Há um processo específico que segue?
Existe sempre um ponto de partida que por norma se traduz numa conciliação entre dois fatores: poesia e movimento, que depois são adaptados a uma realidade concreta. Em termos práticos, existe sempre um mapeamento (local ou comunicacional) que é feito sobre o que queremos comunicar com aquela obra, que poderá ser seguido ou não, de um registo fotográfico cujo fim será transmitir um determinado sentimento da melhor forma.
5. Como lida com os desafios de pintar em larga escala e em espaços públicos?
Cada vez mais, o meu trabalho tem uma componente de preparação que pretende minimizar tudo o que possa ser falhas na execução dos projetos. Qualquer trabalho hoje é pensado e calculado para que todos nós intervenientes possamos usufruir daquilo que estamos a fazer e no final, quer para mim enquanto executante, quer para quem terá de conviver com a obra enquanto espectador, consigamos manter um diálogo harmonioso e intemporal.
6. Os seus workshops têm um impacto na sua própria criatividade? Aprende algo novo com os participantes?
Os workshops sempre foram encarados como parte integrante do meu processo criativo, mas na realidade, essa vertente tem estado um pouco ausente dos meus projetos. Foi sem dúvida, algo muito importante para o meu crescimento enquanto pessoa/artista e é algo que fará com certeza parte do meu futuro, mas que terá de ter sempre o seu próprio espaço/tempo. Hoje, (in)felizmente, esse espaço não existe e terá de voltar a ser criado.
7. Acha que a street art ainda enfrenta preconceitos? Como podemos mudar essa perceção?
Como qualquer outra disciplina que exista em espaço público esse preconceito irá sempre existir. Na minha ótica, essas opiniões contrárias serão parte do que alimenta novas correntes dentro deste movimento. Temos por exemplo, o caso da “pixação” no Brasil, ou a escrita de mensagens políticas feitas clandestinamente, que alimentam todo um universo de criativos que sentem dentro deles uma vontade de se expressar perante o que se passa no mundo. Tentar mudar a perceção através da domesticação ou institucionalização das obras em espaço público não será a melhor forma de o fazer.
8. Que conselhos daria a jovens artistas que querem explorar este universo?
Creio que o maior conselho que possa dar é primeiro tentarem perceber o que foi, é e poderá ser este movimento. O segundo é que passem tempo no espaço que querem mudar, neste caso a rua. Quais os códigos que existem, perceber que todas são diferentes e que, por exemplo, a natureza exige outro tipo de cuidados.
9. Há algum projeto futuro que possa partilhar connosco?
Posso dizer que neste momento estou a terminar algumas peças escultóricas de grande dimensão e encontro-me igualmente a preparar alguns trabalhos de estúdio que irão ser apresentados nos próximos meses.
10. Se pudesse transformar qualquer espaço do mundo com a sua arte, qual escolheria e porquê?
Para um artista como eu, que tem algumas peças espalhadas por Portugal e por alguns países no mundo, gostaria muito de num futuro próximo, poder realizar um projeto de raiz na cidade onde nasci e cresci, que é a cidade de Évora.